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sexta-feira, novembro 22, 2024

Dubai, a cidade no deserto que luta para não ser engolida pela areia

A desertificação ameaça o abastecimento de alimentos em Dubai. Seu nascente setor de tecnologia verde poderá conter as areias invasoras?

O deserto nunca esteve longe dos portões de Dubai. A capital do emirado de mesmo nome, agora convertida em um moderno centro financeiro que, com seus 3 milhões de habitantes, é a cidade mais populosa dos Emirados Árabes Unidos, é cercada pelo mar de um lado, e por um tapete de areia aparentemente interminável do outro.

Sua história de sucesso é improvável, a de uma pacata vila de pescadores que em 50 anos se transformou em uma resplandecente metrópole urbana.

Mas, apesar de sua opulência, a cidade enfrenta um grande desafio: desertos invasores que ameaçam as terras férteis remanescentes do emirado.

Os Emirados Árabes Unidos têm aproximadamente o mesmo tamanho de Portugal, mas cerca de 80% de sua área terrestre já é desértica.

Seu ecossistema é frágil e, em parte devido à desertificação, grande parte de suas terras mais valiosas está sob crescente pressão.

De acordo com um relatório do governo publicado em 2019, “com o aumento das populações e dos sistemas de consumo de alimentos, a degradação da terra e a desertificação estão se tornando desenfreadas”.

Encontrar soluções eficazes tornou-se uma prioridade para o país. O objetivo não é conquistar o deserto, mas restaurar áreas de terra que não são mais produtivas.

Os Emirados Árabes Unidos estão em uma posição única quando comparados a outros países afetados pela desertificação, pois têm a capacidade de financiar ideias inovadoras.

Na verdade, está investindo em startups verdes e apoiando instituições educacionais tecnologicamente inovadoras e com inclinação ecológica.

A própria existência de Dubai exemplifica o que pode ser alcançado quando a ambição e o foco são apoiados financeiramente. A mentalidade que ajudou a construir uma cidade na areia agora está sendo aproveitada para lutar contra a invasão do deserto.

Se forem bem-sucedidas, as soluções desenvolvidas poderão ter um enorme impacto globalmente.

A desertificação é um tipo de degradação da terra em que o solo fértil e arável de regiões áridas ou semiáridas torna-se improdutivo.

Em geral, ocorre quando há superexploração de recursos naturais, como água e solo, o que faz com que a vegetação não cresça nessas terras.

Pode ocorrer naturalmente, mas é um fenômeno que está cada vez mais ligado, tanto nos Emirados Árabes Unidos quanto no restante do mundo, à atividade humana; especificamente, ao pastoreio excessivo, à agricultura intensiva e ao desenvolvimento de infraestrutura.

“A desertificação ocorre quando a terra e a vegetação, geralmente nas bordas dos desertos, estão sobrecarregadas”, diz William H. Schlesinger, biogeoquímico e presidente emérito do Instituto Cary de Estudos de Ecossistemas, em Nova York, que pesquisa desertos há mais de 30 anos.

“O resultado é uma menor produtividade da vegetação e, muitas vezes, uma transição para tipos de vegetação que são menos úteis para as atividades humanas.”

Aproximadamente 12 milhões de hectares são perdidos em todo o mundo a cada ano como resultado direto da seca e da desertificação, o equivalente a 1.300 campos de futebol por hora.

Para contextualizar, se fossem terras contínuas, você teria que dirigir a 210 km/h apenas para acompanhar o ritmo da desertificação

Nos últimos 20 anos, houve uma grave perda de terras valiosas na região. De acordo com o Banco Mundial, os Emirados Árabes Unidos tinham 75.000 hectares de terra arável em 2002, mas em 2018, a área agricultável havia diminuído para 42.300 hectares.

Os dados do órgão multilateral também indicam que, no mesmo período, o percentual de terras agrícolas nos Emirados Árabes Unidos caiu de 7,97% para 5,38%.

Durante as décadas de 1970 e 1980, o uso de suas vastas reservas de petróleo trouxe aos Emirados Árabes Unidos um período de incrível crescimento e prosperidade financeira, mas isso aconteceu em grande medida sem muita preocupação com o meio ambiente.

Em 2008, a organização ambientalista WWF classificou o emirado como o país com a pior pegada ecológica per capita.

“O desenvolvimento dos Emirados Árabes Unidos nos últimos 40 anos exigiu uma abordagem ambientalmente hostil aos recursos da Terra”, diz Dawn Chatty, professora de antropologia da Universidade de Oxford. “Desfazer isso exigirá um esforço financeiro sério, bem como uma transformação social”.

Em parte como resultado dessa repercussão negativa, os Emirados Árabes Unidos — e Dubai em particular — se comprometeram a fazer as coisas de forma diferente.

Em 2012, o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos e emir de Dubai, anunciou uma estratégia para construir uma economia verde que se concentre na sustentabilidade e garanta o crescimento a longo prazo.

“Os líderes políticos e empresariais dos Emirados Árabes Unidos entendem que melhorar as credenciais ambientais é extremamente importante para apresentar o país e cidades como Dubai como modernos”, diz a professora Natalie Koch, especialista em geografia política da Universidade de Syracuse, em Nova York.

As autoridades dos Emirados Árabes Unidos também estão preocupadas com como manterão sua riqueza atual quando os recursos petrolíferos acabarem ou se tornarem menos valiosos, diz Gökçe Günel, professor de antropologia da Rice University no Texas e autor de Spaceship in the Desert (Espaçonave no Deserto, em tradução livre), livro sobre energia, mudanças climáticas e desenho urbano em Abu Dhabi.

“Definitivamente, houve um esforço para atrair novas empresas de tecnologia para a região desde o início dos anos 2000, como parte da transição de Dubai para uma economia baseada no conhecimento”, diz Günel.

“Nesse contexto, os investimentos em energia renovável e tecnologia limpa, ou mais amplamente em sustentabilidade, também servem como meio de diversificação econômica”.

Já há uma série de iniciativas focadas em Dubai.

A Estratégia Industrial de Dubai 2030 descreve o plano da cidade para “promover uma fabricação ecologicamente correta e com eficiência energética”, enquanto o Parque Solar Mohamed bin Rashid Al Maktoum, de 1 gigawatt (1 bilhão de watts), localizado a 50 quilômetros ao sul de Dubai, está entre os maiores parques solares do mundo.

Mas os problemas ambientais de Dubai estão longe de serem resolvidos, principalmente no caso da desertificação.

A seca, o uso excessivo de recursos naturais, o rápido desenvolvimento urbano e o aumento da salinidade do solo são riscos para a cidade.

A falha em abordá-los adequadamente ameaça tudo, desde a perda permanente de terras cultiváveis até o desaparecimento de espécies nativas da região.

Além disso, com os Emirados Árabes Unidos dependendo fortemente de importações para abastecer sua crescente população, há uma enorme necessidade de aumentar a produção doméstica de alimentos para tornar a região mais autossuficiente e, portanto, mais sustentável.

Em maio de 2021, o emir Mohamed lançou a Food Tech Valley, uma incubadora de pesquisa e inovação que visa triplicar a produção de alimentos dos Emirados Árabes Unidos. Para conseguir isso, precisará de iniciativas eficazes contra a desertificação.

Durante muito tempo, a antiga solução de simplesmente plantar mais árvores foi tratada como o enfoque principal.

“As árvores prendem o solo, absorvem dióxido de carbono, melhoram a fertilidade do terreno e sua infiltração e a recarga das águas subterrâneas”, diz Anna Tengberg, professora do Centro de Estudos de Sustentabilidade da Universidade de Lund, na Suécia.

As autoridades de Dubai estão bastante cientes do impacto potencial que as árvores podem ter no combate à desertificação.

Em 2010, o emir Mohamed lançou a iniciativa “Um Milhão de Árvores”, com o objetivo de plantar essa quantidade de árvores para aumentar as áreas verdes da cidade e conter a desertificação.

No entanto, de acordo com Hamza Nazal, representante da Green Land, empresa que desenvolveu o projeto em associação com a Fundação Internacional Zayed para o Meio Ambiente, apoiada pelo governo, “100% das árvores morreram e a iniciativa foi um fracasso total”.

Nazal diz que o projeto foi “abandonado” depois que a empresa estatal de investimentos Dubai Holding anunciou o desenvolvimento de vários empreendimentos imobiliários no mesmo terreno, embora eles não tenham sido construídos.

“Está claro que o projeto foi utilizado para fins de relações públicas e para mostrar iniciativas voltadas à promoção da sustentabilidade”, diz Nazal.

“Se eles realmente se importassem com o meio ambiente, teriam tentado salvar o milhão de árvores que estavam morrendo na frente deles.”

Christian Henderson, professor de estudos do Oriente Médio na Universidade de Leiden, na Holanda, diz que é “questionável” que o verdadeiro objetivo do projeto seja a sustentabilidade, observando que o prestígio político e a imagem do ambientalismo também parecem ter sido motivações importantes.

“Do ponto de vista ecológico, o fracasso deste projeto se deve ao fato de que algumas das árvores não eram adaptadas ao ambiente dos Emirados Árabes Unidos”, acrescenta.

A BBC Future Planet entrou em contato com a Dubai Holding e o Município de Dubai sobre a iniciativa, mas não recebeu resposta.

A seleção das espécies certas, de preferência nativas, é crucial para projetos de plantio de árvores, concorda Tengberg, assim como considerar o espaçamento ao plantar em áreas secas e quais são os benefícios para a população local.

Apesar do fracasso da iniciativa, o plantio de árvores ainda é visto como parte central da estratégia antidesertificação de Dubai, como é o caso em outras partes do Oriente Médio.

A Arábia Saudita, por exemplo, declarou recentemente sua ambição de plantar 10 bilhões de árvores nas próximas décadas como parte de sua Iniciativa Verde Saudita.

É claro que, para que qualquer projeto tenha sucesso em uma paisagem seca e árida e para que as árvores permaneçam vivas e saudáveis, é crucial aprender a usar os escassos suprimentos de água com sabedoria.

Dubai, assim como outras partes do Oriente Médio, investiu em vários projetos de “semeadura de nuvens” destinados a induzir chuva artificialmente, mas muitos deles são controversos, com sucesso difícil de medir, e alguns argumentando que poderiam levar a inundações.

Outros sugerem que os materiais usados, como o iodeto de prata, podem ser prejudiciais.

Novas tecnologias desenvolvidas por startups verdes como a Desert Control, com sede na Noruega, oferecem um caminho diferente.

A Desert Control visa melhorar o problema de desertificação de Dubai, implantando nanopartículas líquidas de argila natural para converter rapidamente a areia do deserto em solo fértil.

A tecnologia consiste em borrifar uma mistura de água e argila em solo seco e danificado para cobri-lo com uma camada de cerca de 50 centímetros de espessura.

“A gravidade puxa as minúsculas partículas de argila para o chão e elas grudam em cada grão de areia que encontram”, explica Ole Kristian Sivertsen, CEO da Desert Control.

“Então eles formam uma estrutura que retém a água como uma esponja. Isso, com o tempo, transforma a areia degradada em solo fértil.”

Com o líquido de nanopartículas, não só a terra é irrigada, mas também garante que o solo possa reter água por mais tempo, além de nutrientes. Como resultado, o solo deficiente em minerais pode receber uma nova vida.

A tecnologia mostra as possibilidades que existem para formar solo em condições ambientais difíceis, diz Daniel Evans, que pesquisa sistemas agrícolas sustentáveis no Instituto de Solo e Agroalimentos da Cranfield University, no Reino Unido.

A Desert Control ainda é uma empresa jovem, mas desde 2019 vem realizando projetos piloto de argila natural líquida em Dubai, com vários agricultores e proprietários de terras e o Centro Internacional de Agricultura Biossalina (ICBA) de Dubai.

Cada tipo de solo requer uma composição de argila natural líquida sob medida.

De acordo com Sivertsen, o ICBA documentou uma economia de água de 47% com a tecnologia normalmente usada para gramados esportivos e campos de golfe.

Também apresentou melhores rendimentos em culturas como melancia (17%), milheto (28%) e abobrinha (62%).

Em um projeto em Dubai, o tratamento gerou 50% de economia de água para palmeiras e outros tipos de árvores, diz Sivertsen.

Ainda assim, usar argila natural líquida para cultivar um grande número de árvores em Dubai será um grande desafio. “Uma única tamareira pode absorver cerca de 250 litros por dia”, diz Sivertsen.

Anne Verhoef, física do solo da Universidade de Reading, no Reino Unido, diz que, embora a argila natural líquida seja “em princípio uma oportunidade empolgante”, ainda há dúvidas sobre sua praticidade e viabilidade.

Por exemplo, o uso de água salgada pode afetar a saúde a longo prazo da terra e sua aptidão para a agricultura, diz ela.

Devido à falta de disponibilidade água doce, a água usada na agricultura nos Emirados Árabes geralmente vem de usinas de dessalinização, o que pode levar a níveis de sal mais altos do que o normal.

Por isso, é fundamental que o uso de argila natural líquida se amplie lentamente, diz Verhoef, e estudos sejam realizados ao longo de anos, para garantir que não tenha efeitos adversos sobre a terra, o meio ambiente em geral e as comunidades locais.

Mesmo que o tratamento de argila natural líquida funcione, diz Evans, ele não aborda todos os desafios para o desenvolvimento da agricultura em ambientes desérticos, como armazenar os alimentos produzidos e apoiar o trabalho necessário para a colheita.

“Inovações tecnológicas em robótica, inteligência artificial e sensores podem ajudar a superar essas limitações”, acrescenta.

Estima-se que 75% da superfície terrestre do nosso planeta já esteja degradada, mas muitas vezes a questão carece da atenção que merece.

“É um problema que afeta principalmente África, Ásia e América Latina, e áreas pobres de países desenvolvidos, como algumas áreas áridas e marginais do Mediterrâneo”, diz Tengberg.

“Os países ricos estão mais preocupados com as mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição química.”

Isso se reflete na estrutura internacional de governança ambiental e nos mecanismos de financiamento, acrescenta, com a Convenção das Nações Unidas para Combate à Desertificação recebendo muito menos financiamento multilateral do que iniciativas que tratam da mudança climática e biodiversidade.

Dada sua enorme riqueza, seu desejo de estar na vanguarda do progresso e a necessidade de recuperar terras cada vez mais tomadas pela areia, os esforços antidesertificação dos Emirados Árabes podem fornecer uma solução para o problema e um modelo para o resto do mundo.

Como líder tecnológico na área, um caminho traçado pelo país pode trazer benefícios para seus vizinhos e outras regiões que enfrentam um futuro incerto devido à desertificação.

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