Curitiba – Cerca de um terço das 4 bilhões de toneladas de alimento produzidas no mundo todos os anos vai parar na lata de lixo. Ao todo, são 1,3 bilhão de toneladas, desde o plantio até o consumidor final, conforme dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, a FAO. Além disso, a produção de todo esse alimento perdido corresponde a 8% das emissões de gases do efeito estufa. No Brasil, 33 milhões de pessoas não têm o que comer todos os dias e 14 milhões deste total somaram a estatística no último ano. Nos Estados Unidos, o desperdício de alimentos custa todos os anos, ao menos US$ 400 bilhões.
O Brasil desperdiça todos os anos, 27 milhões de toneladas de alimentos, sendo 60% de tudo isso proveniente das famílias. O apontamento é feito pela ONU. Cerca de 80% deste desperdício ocorre no manuseio, transporte e nas centrais de abastecimento. No lado oposto dessa estatística, estão famílias que sequer tem algum alimento para comer todos os dias. E pasmem: o estado brasileiro com maior geração de lixo é a Amazônia, com 62 municípios na contramão da sustentabilidade, ao jogar todo o lixo que produzem em lixões impróprios e clandestinos.
Exemplo paranaense
O Paraná tem feito a lição de casa quando o assunto é evitar o desperdício de alimentos. O Banco de Alimentos do Programa Comida Boa mata literalmente a fome de 150 mil paranaenses todos os meses e evita que 5,3 mil toneladas de alimento acabem diretamente para o lixo, ou seja, 5,3 milhões de quilos de comida saudável e nutritiva. Como comparativo esse montante seria suficiente para completar a carga de 200 carretas.
Em entrevista concedida ao Jornal O Paraná, o diretor-presidente da Ceasa Paraná, Eder Bublitz, destaca a implantação do programa de redução de desperdício. Para entender melhor toda operacionalização, é preciso voltar no tempo, mais precisamente no início do século 21, quando a então primeira-dama do Paraná, Fani Lerner (in memorian), lançou o programa batizado de Super Sopa, enriquecida com proteínas, sais minerais e que hoje, seu processamento demandaria um valor considerável para o Estado. Somente a lata utilizada para armazenagem da sopa hoje, custaria R$ 25. Diante disso e como forma de minimizar os custos, a Ceasa Paraná criou uma outra forma de fazer chegar esse alimento à população mais carente. O alimento é processado e embalado a vácuo.
O programa ficou “adormecido” por 16 anos, sem investimentos. Em 2019, foi retomado e potencializou o Banco de Alimentos, que até então evitava o desperdício de 50 toneladas de alimentos. Mesmo assim, somente na Ceasa de Curitiba, são desperdiçadas 35 toneladas de resíduos orgânicos por dia. “Somos o maior gerador de resíduos orgânicos de Curitiba e ficava nítida a questão do desperdício envolvendo frutas, verduras e legumes, com seus parâmetros nutricionais preservados, porém, com baixo tempo de prateleira”, aponta Bublitz. “Um tomate maduro que qualquer pessoa levaria para casa, na Ceasa, era desperdiçado”.
“Comida Boa”
A Ceasa vive dois extremos bem interessantes: vende bem quando a temperatura está quente e abaixo da normalidade, quando esfria. Conforme o diretor-presidente da Ceasa Paraná, Eder Bublitz, dezembro é o ápice das vendas. Nesta mesma época, em 2021, foram 434 toneladas de alimento que iriam para o lixo, recuperadas, multiplicando quase por nove vezes o que era coletado.
O programa Comida Boa utiliza mão de obra de apenados. “Não são apenas alimentos resgatados. Vidas são recuperadas”, descreve Eder Bublitz. A coleta, manejo e preparado é feito por pessoas monitoradas com tornozeleira eletrônica. Recebem salário para trabalhar, seguem regras e também recebem frutas, verduras e legumes, além de vale-transporte. Além disso, obtém a redução de pena de um dia para cada três trabalhados. “É um programa de ressocialização, gerador de oportunidade e capacitação profissional”, comenta Bublitz. A maioria dos apenados sai do programa já empregado, muitos dos quais na própria Ceasa ou em empresas prestadoras de serviço para as centrais de abastecimento.
Além de fazer frente ao desperdício, o programa contribui para a preservação do meio ambiente, contempla 13 dos 17 ODSs (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Um dos apenados inseridos no programa recorreu a uma redação para ilustrar o efeito gerado pelo programa em sua vida. “Pessoas podem ajudar pessoas. É possível fazer o bem”, diz um dos trechos da redação. “Mais do que evitar o desperdício, estamos recuperando vidas”, resumiu o diretor-presidente da Ceasa Paraná.
Quarto do Brasil
A Ceasa do Paraná é considerada a quarta maior do Brasil. Seus números superam outras estruturas concebidas sob o mesmo conceito. A Ceasa do Rio de Janeiro, por exemplo, coletou por meio do Banco de Alimentos daquele estado, 360 toneladas de alimentos ao ano. Isso representa o montante coletado por todas as estruturas existentes no Paraná em um mês.
Vale ressaltar ainda, que a partir do fim deste ano, os municípios não poderão mais destinar resíduos orgânicos aos aterros. “Já estamos fazendo isso em Curitiba. Todo o nosso resíduo é transformando em bionenergia, por intermédio de uma parceria com a Sanepar”, diretor-presidente da Ceasa Paraná, Eder Bublitz.
Foto: Arquivo/AEN
Fonte:O Paraná