O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma hoje, a partir das 14h, o julgamento de duas ações que discutem se o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) é omisso em relação ao desmatamento na Amazônia. Os processos fazem parte da chamada “pauta verde”, um conjunto de sete ações contra políticas ambientais em vigor no país que a Corte selecionou para analisar nas próximas semanas.
Os processos em pauta hoje foram abertos por partidos de oposição. No mais antigo, de 2019, a Rede alegou omissão de Bolsonaro e do ex-ministro Ricardo Salles na proteção da floresta amazônica. Na outra ação, sete legendas acusam o governo de abandonar o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia), que funcionava desde 2004.
O tema já ocupou duas sessões da Corte. A ministra Cármen Lúcia, relatora das ações, começou a apresentar seu voto na última quinta, após as manifestações dos advogados dos partidos, da AGU (Advocacia-geral da União) e da PGR (Procuradoria-geral da República). A leitura do parecer será finalizada hoje, e em seguida votam os demais ministros.
Ainda não se sabe em que medida Cármen Lúcia responsabilizará o governo pelo desmatamento na Amazônia, mas a ministra já sinalizou concordância com argumentos dos partidos. Na última quinta, ela disse ver no Brasil um estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental, o que é alegado pelas legendas.
Quando reconhece um estado de coisas inconstitucional, o Supremo decreta a existência de uma situação em que as violações à Constituição deixam de ser pontuais e passam a ser contínuas, como parte de uma estrutura deficiente. Em 2015, a Corte deu este rótulo ao sistema prisional brasileiro.
“Nosso país tem um dever com toda a humanidade, pelo impacto que a preservação ou a devastação representa na sobrevivência de todos os seres do planeta”, afirmou a ministra na última quinta.
Os processos
O primeiro dos processos em pauta hoje foi movido pela Rede, em agosto de 2019, tendo como base os números sobre a destruição florestal que haviam sido divulgados pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O caso levou o governo a demitir o físico e engenheiro Ricardo Galvão, que comandava o órgão à época.
Mais de um ano depois, em novembro de 2020, a Rede uniu-se a outros seis partidos (PT, PSB, PDT, PSOL, PC do B e PV) e apresentou uma nova ação, para questionar o encerramento do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia). Trata-se de um projeto de proteção ambiental criado em 2004, no primeiro governo Lula, sob a gestão da ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
O programa foi descontinuado por Bolsonaro. Em defesa do governo, o AGU Bruno Bianco argumentou na semana passada que houve “evolução” para um novo projeto.
“Foi na busca de novas soluções para a prevenção e o combate ao desmatamento que foi concebido o novo Plano Nacional, que é, de fato, um claro avanço no combate e controle do desmatamento na Amazônia”, disse Bianco.
As entidades ambientais e os partidos sustentam, entre outros pontos, que este e outros programas, já existentes, eram efetivos na defesa do meio ambiente, e que as mudanças no papel significaram melhora do cenário na prática.
Eles lembram, também, que o governo tem feito propostas no Legislativo que enfraquecem a proteção ambiental, tais como o projeto que libera mineração e outras atividades de alto impacto ambiental em terras indígenas.
Ao terminarem este julgamento, os ministros terão pela frente outros cinco processos ambientais, a maioria deles contra ações ou omissões de Bolsonaro na área. Veja o que ainda estará na pauta:
- Uso do Exército na fiscalização: processo aberto pelo PV, em setembro de 2020, questiona o emprego das Forças Armadas no combate a crimes ambientais, por meio da chamada operação Verde Brasil. O PV argumenta que a medida esvaziou o poder dos órgãos ambientais criados para essa finalidade, como Ibama e ICMBio, e colocou o protagonismo nas mãos dos militares, que têm outras funções no Estado. Para o partido, houve uma “verdadeira militarização da política ambiental brasileira”.
- Conselho do Fundo Nacional do Meio Ambiente: em fevereiro de 2020, o governo mudou a composição do conselho deliberativo do FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente), excluindo os representantes da sociedade civil e deixando apenas membros do governo no colegiado. Dias depois do decreto que estabeleceu a mudança, a Rede foi ao Supremo.
- Administração do Fundo Amazônia: em junho de 2020, quatro partidos (PT, PSB, PSOL e Rede) foram ao STF protestar contra a paralisação do Fundo Amazônia, voltado a fomentar projetos de prevenção ao desmatamento e voltados a projetos de estímulo ao uso sustentável da terra. O assunto chegou a ser tema de uma audiência pública no Supremo ano passado, iniciativa coordenada pela relatora Rosa Weber.
- Normas contra poluição do ar: dos sete processos na pauta, este é o único que foi protocolado pela PGR, ainda na gestão de Raquel Dodge, antecessora de Aras. É uma ação contra uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) aprovada ainda em 2018, no governo Temer, que colocou em vigor “dispositivos genéricos que permitem a continuidade de altos níveis de contaminação atmosférica, nocivos aos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente”, segundo a PGR.
- Licenciamento ambiental: em maio do ano passado, o PSB foi ao Supremo contra uma mudança na lei que permitiu a concessão automática de alvará de funcionamento e licenças para empresas que exerçam atividades classificadas como de “risco médio”. Segundo argumenta o partido, essas empresas expõem seus funcionários a riscos regulares e precisam obter as autorizações por meio de visitas presenciais.